Passeando por Verona, logo nos damos conta que ele deveria ser uma pessoa importante. Existe um trecho de via que costeia o rio Adige dedicado a ele, um restaurante tradicional da cidade (com uma vista espetacular!) leva seu nome, mas o que mais nos chama atenção é uma sua representação, na fachada da basílica de San Zeno, (santo padroeiro de Verona) onde o rei Teodorico cavalga em direção ao inferno.
Mas afinal quem era esse tal de Teodorico?
Quando em 476 o Império Romano do Ocidente chegou ao fim com a deposição do último imperador, Rômulo Augusto, o governo da península italiana passou às mãos do oficial germanico Odoacre. O Imperador do Oriente não gostou nada desta estória, e ordenou a Teodorico, um príncipe godo, crescido e educado (como refém) na corte de Constantinopla que migrasse com o seu povo para a Itália, retomasse o poder e passasse a governar a península em nome do imperador.
Teodorico assim o fez. Aliás, justo que era, o cristão ariano fez sempre questão de beneficiar com novos edifícios religiosos católicos e arianos; no confisco e divisão de terras (que se fazia em casos assim) destinou apenas 30% das terras ao seu povo, conservando 70% nas mãos da aristocracia romana. Teodorico exigiu ainda que o seu povo pagasse os mesmo impostos devidos pelos romanos (o que naquela situação não era uma coisa muito òbvia como pode parecer hoje), manteve toda a magistratura romana e tão somente romana, queria que o senado fosse convocado, que o judiciário fosse restaurado e que a Itália voltasse ao esplendor dos tempos em que Roma era ainda a capital do Império.
Magnus Felix Ennodius (473-521), bispo de Pavia, sobre Teodorico escreveu:
“Vejo que um esplendor inesperado surgiu das cinzas das cidades e por toda parte os telhados dos edifícios brilham na exuberância da civilização. Vejo edifícios já concluídos antes mesmo de eu saber que foram projetados. A própria Roma, mãe das cidades, rejuvenesce, decepando os membros podres da velhice (…)
(…) As riquezas do Estado cresceram juntamente com os lucros dos particulares: na sua corte não há vestígios de corrupção e a riqueza está espalhada por toda parte (…)
(…) Não lhe falta a confiança do homem forte nem a prudência do homem medroso. Ó dupla plenitude de virtude em um príncipe, que revela Deus como o autor (…)
Porém, os romanos que viviam na península viam o governo de Teodorico como uma coisa que deveria ser provisória e não obstante a sua boa gestão (ao menos aparente), seguiam tramando para que ele fosse deposto e um romano ficasse em seu lugar. E como tudo na vida tem limite, a paciência de Teodorico chegou ao fim e iniciou-se um período muito cruento no seu governo, marcado principalmente pela morte do seu conselheiro, o filósofo Boécio. Teodorico iniciou uma grande perseguição contra a aristocracia romana (e consequentemente católica), acusando-a (com bastante razão) de traição.
O nobre e justo rei acabou entrando para a história como um bárbaro sanguinário, inimigo da igreja, de Roma e da Itália, praticamente o próprio anticristo. Tal fato acabou gerando muitas lendas sobre o macabro fim do rei Teodorico e em 1906 o poeta Giosuè Carducci, inspirado por algumas dessas lendas, escreveu os seguintes versos:
“No castelo de Verona
o sol bate ao meio-dia,
da fortaleza ao chão ressoa
um som solitário de un corno
murmurando por todo lado
verde o grande Adige segue;
e o rei Teodorico
velho e triste faz seu banho (…)”
Os versos referem-se ao castelo de Teodorico situado onde hoje é o Castel San Pietro, sobre a colina de São Pedro, na beira do Adige que é o rio que circunda Verona.
“(…) O grito de um jovem
ressoou fora do castelo:
Senhor, um cervo tão bonito, nunca
assim visto em nossa época.
ele tem pés de aço esmaltado,
seus chifres são todos de ouro.
para fora da água deu um salto
o velho caçador (…)”
Nos versos de Carducci o velho rei sai da água e monta um cavalo negro com a intenção de caçar o tal cervo. Porém, o animal parece endiabrado e Teodorico não consegue descer de cima dele, restando condenado a cavalgar por toda a Itália.
“(…) Sobre o cavalo negro
disparou como uma flecha
e longe de qualquer caminho
ora descendo e ora subindo:
vai, vai, vai e vai
vales e montanhas que atravessa
O rei descer queria,
mas não podia se soltar do cavalo (…)”
“(…) Teodorico de Verona,
Onde vai com tanta pressa?
torne sagrada coroa,
para a casa que te espera?
Que besta é essa minha,
um cavalo ruim me tocou:
somente a Virgem Maria
pode saber para onde vou (…)”
E o pobre Teodorico chega finalmente na Calábria onde ve o grande vulcão Stromboli, para os antigos uma das portas para o inferno e para onde o cavalo o conduz.
“(…) Ele vê Lipari, o palácio
de Vulcano árduo que solta fumaça
e trovões que lampejam
do calor que o consome:
o cavalo negro chegou aqui
contra o céu forte ele saltou
aniquilador; e o cavaleiro
ele afundou na cratera (…)”
Mas o a parte mais macabra é a cabeça branca do velho Boécio, condenado à morte por Teodorico que aparece glorioso em um sorriso sangrento.
“(…) Mas dos limites da Calábria
o que surge no topo da montanha?
não é o sol, é uma cabeça branca;
Não é o sol, é um rosto
sangrento, em um sorriso
de martírio e esplendor:
de Boécio é a face santa,
do romano senador (…)”
Um poema um tanto quanto macabro, mas se na fachada da basílica de San Zeno o rei é recordado no momento em que o cavalo maldito o leva para o inferno, na beira do Adige e na colina de São Pedro, Teodorico de Verona é celebrado como o nobre e justo rei que governou a Italia no primeiro reino barabaro-romano, marco inicial do período que conhecemos como idade média.