As cores e seus significados no tempo

Você já parou para pensar quão forte pode ser uma mensagem transmitida por uma cor? Pode ser a cor de uma bandeira, o logo de um grupo empresarial, ou simplesmente a cor das roupas que escolhemos usar. Obviamente o significado das cores muda de época para época e de cultura para cultura, por isso existem estudiosos que se dedicam exclusivamente ao estudo da história das cores, a criação dos pigmentos e a sua utilização na moda e na arte. Nas próximas linhas tentarei expor alguns exemplos do simbolismo das cores na cultura antiga ocidental.

Vermelho, a cor por excelência.

Os antigos romanos consideravam basicamente somente três cores: o branco, o preto e o vermelho. Isto não quer dizer que outras cores não existiam, mas que somente estas três cores eram importantes o suficiente para que fossem mencionadas em documentos que hoje podem ser estudados e que nos ajudam a entender a sociedade daquela época. 

O vermelho era a cor por excelência, uma coisa colorida era uma coisa vermelha. Em latim o termo coloratus significava colorido, mas significava também vermelho, ser colorido não significava ter várias cores ou ter qualquer outra cor que não fosse o vermelho. Foi o termo coloratus que deu origem à palavra colorado, que em espanhol quer dizer vermelho. 

O vermelho era ligado à representação de dois elementos: o fogo e o sangue. Na antiga roma era a cor que vestiam alguns sacerdotes ligados ao culto do fogo e ao sacrifício de sangue. Vermelho era também a cor do deus Marte (deus da guerra e antepassado direto dos romanos) por isso era considerado um símbolo de poder e vestido sobretudo pelo imperador e por seus generais.

Villa dei Misteri, Pompeia

Obviamente existiam muitos tipos de vermelho derivados diretamente da matéria prima utilizada para a extração do pigmento. Um destes pigmentos se obtinha através de um molusco raro que se encontrava em algumas regiões do mediterraneo. O vermelho extraído destes moluscos era chamado de púrpura imperial e era reservado exclusivamente ao imperador e aos seus generais. E é daqui que vem a tradição de representar Jesus com um manto vermelho, o manto imperial, porque nos primeiros séculos do cristianismo desenvolveu-se a ideia de que Jesus era o Imperador do mundo.

Cristo Cosmocratore, Ravenna, Igreja de San Vitale

Na idade média, o vermelho continuou a ser símbolo de poder, mas na Europa já não se extraìa o pigmentos dos moluscos de época imperial, mas sim de um inseto chamado coccos ilicis e como a criação do inseto e a extração do pigmento também eram muito complicadas e caras, continuou a ser considerada uma cor de luxo acessível a poucos. Por isso todos os ricos e potentes queriam vestir-se de vermelho, até o Papa que costumava vestir branco a partir do século XIII passou a usar o vermelho e o mesmo aconteceu com os seus cardeais. Obviamente existia também um valor cristológico naquele vermelho (além é claro de ostentar a riqueza da igreja!): o vermelho representava o sangue derramado por Cristo para a remissão dos nossos pecados, representava também o espírito santo de Pentecostes que desceu sobre os apóstolos em forma de línguas de fogo.

Papa Innocenzo III e Papa nos afrescos da basilica superior de Assis, Giotto, 1292-1305

Mas a glória absoluta do vermelho não durou para sempre. No século XVI, com o advento de uma cultura reformista protestante o vermelho passou a ser considerado a  representação do pecado e da imoralidade, os líderes desses movimentos usavam o preto como símbolo de humildade e condenavam a cultura católica representada pelo vermelho.     No período da contra reforma católica a igreja também resolveu dar um freio no vermelho, limitando-o a ocasiões especiais ou religiosas.

Azul, o novo queridinho do Ocidente

Com exceção do Egito faraônico, na antiguidade o azul era uma cor pela qual ninguém se interessava e no entanto hoje, é a cor preferida nos países de cultura ocidental. 

Na roma antiga era considerada a cor dos bárbaros, obviamente não possuía um valor positivo. Um homem de olhos azuis era considerado uma pessoa em quem não se podia confiar  e se fosse uma mulher com os olhos azuis, era considerada fácil e vulgar.

Mas azul não era a cor de Maria? Segundo estudiosos de textos antigos, a bíblia em hebraico, aramaico e grego usava muito poucas palavras para definir cores, foi somente com as traduções latinas que elas começaram a aparecer nos textos sacros. Por exemplo; onde em hebraico estava escrito “rico” em latim foi traduzido como “vermelho” (um tecido rico = um tecido vermelho), onde estava escrito “sujo” foi traduzido como preto (um manto sujo = um manto preto), e quase nada se fala sobre o azul. Esta situação persistiu  na idade média e só mudou a partir do século XII.

Virgem com Menino Jesus, respectivamente de Jacopo Bellini (1448) e Giovanni Bellini (1460 – 1465)

A mudança se deve à religião católica. Naquela época os teólogos descreviam Deus como uma luz azul, o céu, como lugar espiritual passou a ser azul (antes era dourado), o manto da Virgem que na maior parte das vezes era vermelho, passou a ser azul. No século XII quando o abade Sugério reformou a igreja de Saint-Denis em Paris, encheu o templo de cores e em particular o azul que serviria para afastar as trevas, é dali que o azul dos vitrais da igreja de Saint-Denis se difundiu para toda a Europa.

Igreja de Saint Denis, Paris

O azul se tornou a cor da nobreza juntamente com o vermelho, mas isso só até o século XVIII. Como dito anteriormente, no final da idade média uma onda moralista que deu lugar a reforma protestante passou a condenar o vermelho e a privilegiar o branco, o preto o cinza e … o azul! Um exemplo prático vemos na arte de dois grandes artistas daquele período: Rembrandt (calvinista) e Rubens (catolico). 

Lição de anatomia do Doutor Tulp, Rembrandt – 1632 e São Domenico e São Francisco preservam o mundo da ira de Jesus Cristo, Rubens – 1618-1620

No século XVIII o azul se tornou a cor preferida dos Europeus e o é ainda hoje.

Branco, a cor da pureza

Quase em todos os lugares do planeta o branco evoca a pureza, em algumas zonas a neve  reforçou este símbolo pois quando acaba de cair (e portanto não apresenta nenhum tipo de sujeira) se estende uniformemente por vastas áreas o que não acontece com nenhuma outra cor. 

O branco também é símbolo de limpeza. Durante muito tempo o tecido que entrava em contato com o corpo como os lençois, as roupas íntimas e as toalhas de banho eram exclusivamente brancas. Isso por razões, obviamente, de higiene (a mínima sujeira pode ser percebida no branco), mas também por razões práticas, já que estas roupas precisavam ser trocadas com frequência e fervidas em água, não fossem brancas, com o tempo se tornariam desbotadas e feias.

Mulheres trabalhando o linho branco, Tacuina sanitatis, XIV século e A fonte da juventude no Castelo de Manta, XV.

O branco era também a cor do além. Desde o período romano fantasmas e espíritos eram descritos com a cor branca. O branco era ligado também à sabedoria, à serenidade e à paz interior representadas pelos cabelos brancos dos anciões. Era ligado também à morte (sudário) e à inocência (tecidos que envolviam os recém nascidos e forravam o berço).

Branco também era a cor da pele dos aristocratas e por isso um símbolo de status social. Os pobres camponeses trabalhavam sob o sol e por isso tinham a pele bronzeada por isso os nobres ou ricos para se distinguirem ostentavam uma pele branquíssima, nunca tocada pelo sol e em determinados períodos (XVII e XVIII) usavam um tipo de pò/base branca no rosto (muitas vezes tóxicas) para ressaltar o quão brancos eram. 

Pietro Antonio Rotari, retratos de jovens, XVIII

A partir da guerra dos Cem Anos entre os séculos XIV e XV se ergueu a bandeira branca como sinal de paz em contraposição ao vermelho, a cor da guerra. 

Preto, luto e elegancia.

O preto está ligado à escuridão, ao funeral, ao luto, ao pecado, ao inferno, mas é também ligado a temperança, a humildade e a austeridade, valores pregados pelos reformadores protestantes. Com o tempo se transformou na cor da autoridade, dos juízes, dos árbitros, dos chefes de estado … hoje o preto é símbolo de elegância. 

Retratos de mulheres aristocraticas, século XIX, Francesco Hayez

Na antiguidade existiam dois tipos de preto o niger  que indica um preto luminoso e portanto positivo e o ater que significava o preto opaco, o preto da morte. Em pintura o pigmento preto (preto de verdade, não quase preto!) também era muito caro e extraído do marfim calcinado, diferente do preto feito com carvão por exemplo, que era um preto opaco. Na pintura antiga era usado pouquíssimo, mas no período da reforma protestante e da contra reforma católica caiu no gosto do povo. O preto, símbolo da humildade do pecador passou a ser a cor da moda não somente para os eclesiásticos mas também para chefes de estado e para a aristocracia em geral. Lutero vestia preto e Carlos V também! 

Retratos de Lutero, 1529 – Cranach il Vecchio e Carlos V, 1548 – Tiziano

Amarelo, a cor da traição

Os romanos apreciavam o amarelo e vestiam esta cor durante algumas cerimônias e casamentos. Contudo, não se sabe bem o porquê, na idade média passou a ser visto como símbolo de traição. Enquanto o dourado (que era feito com ouro de verdade) evocava o sol, a luz, o calor e a alegria, o amarelo passou a ser privado do seu significado positivo e se tornou uma cor opaca e triste. Na iconografia medieval os personagens desprezíveis, como os mentirosos, os enganadores, os malandros e traidores geralmente vestem amarelo, como é o exemplo judas. E assim como em nenhum texto bíblico se diz que Maria usava um manto azul e Jesus um manto vermelho, também não se diz que Judas usava roupas amarelas, mas sendo esta a cor da traição, Judas passou a ser representado quase sempre de amarelo. 

Juan de Juanes, Ultima ceia, 1562
Ghirlandaio, Ultima ceia, 1486

Verde, a cor que acalma

O verde sempre foi uma cor “sem sal, sem açúcar”. Não era potente como o vermelho e nem cheio de significados como o azul ou o amarelo, tanto que os teólogos católicos quando estabelecerem as cores litúrgicas elegeram o verde como a cor dos domingos comuns. 

Fotos encontradas na internet

O verde era um pigmento fácil de obter mas não estável, quero dizer, no tempo a cor no tecido ou na pintura se modifica e perdia sua beleza inicial. Por isso o verde passou a ser a cor da instabilidade e tudo que podia ser ligada a ela: a sorte, o destino, o jogo. No mundo feudal os malabaristas, bufões e caçadores se vestiam de verde; em Veneza, a partir do século XVI se jogava cartas em um tapete verde e no século XVII nas cortes europeias se jogava em uma mesa verde. 

Na mesa da roleta em Monte Carlo, Edvard Munch, 1892

Não obstante o duplo valor do verde, negativo e positivo, sorte e azar, no tempo o valor negativo predominou e o verde passou a representar também espíritos malignos, demônios, dragões, serpentes a outras criaturas do mal.

São Jorge e o dragão de Paolo Uccello, 1460 e de Raffaello Sanzio, 1505

Conclusao

Como dito inicialmente, os significados das cores são muitos e variam no tempo. Na arte e na história não existe um dicionário preciso que diz “esta coisa significa isso e aquela significa aquilo”. As cores, como qualquer outro elemento precisa ser analisado em um contexto social definido, mas sem dúvida o estudo do uso simbólico das cores na história é um tema apaixonante ao qual eu poderia dedicar horas e horas de estudos e de conversas!  

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